7/09/2015

Ação Cultural para a Liberdade

Paulo Freire
A atualidade do pensamento freiriano se mostra a cada leitura, a cada um dos muitos escritos que produziu ao longo de sua profícua, radical e transformadora existência enquanto pessoa e educador. Preocupado com as raízes, o meio sociocultural e econômico que abriga os seres humanos, defende a condição de sujeito para que todos cheguem a condição de cidadãos. Esse processo, como entende a educação, é possível através da autonomia dos sujeitos e, sob esta ótica, li a obra Ação cultural para a liberdade que apresenta uma proposta de educação preocupada com o engajamento do sujeito em sua realidade, em seu contexto, apreendendo-o e tornando-se capaz de, ao criticá-lo, iniciar sua compreensão e transformação.

O processo educativo inicia com a tomada de consciência, por parte do sujeito, da condição em que se encontra e na qual se encontram seus semelhantes. Isso é estudar, porque, como Freire diz, “Estudar não é um ato de consumir ideias, mas de criá-las e recriá-las” (12) para que se comprometam com a qualidade de vida dos seres humanos. Nesse contexto, o educador, o trabalhador, o sujeito ou os sujeitos – assim mesmo no plural, pois Paulo Freire vê a educação com ato coletivo, solidário e não individualista – trabalham com, jamais sobre, os indivíduos a quem considera sujeitos e não objetos de sua ação. Assim, com humildade e criticidade não se pode jamais aceitar a ingenuidade. Há que se ter posição crítica diante dos fatos, dos acontecimentos, da vida, do mundo. A atitude do educador é uma ação crítica de leitura do mundo que se responde com ação solidária e coletiva, visando a transformação.

Mais adiante, Freire aponta para uma “Pedagogia utópica da denúncia e do anúncio” (60) como necessidade de ser ato de conhecimento da realidade denunciada, uma ação cultural para a libertação. Em não se verificando essa disposição radical, não há educação, na medida em que educação só ocorre como compromisso com o cidadão, com o sujeito, com a vida e, desse modo, educação já é ato transformador em sua essência ao desacomodar as situações de ingenuidade e cegueira dos sujeitos diante de sua realidade. A educação deve permitir ver, entender e transformar as realidades individuais e sociais nas quais os sujeitos se encontram. Na medida em que há esse reconhecimento, ocorre a união dos dominados, não mais como minorias divididas entre si e passa a existir também, o reconhecimento da identidade dos interesses dos homens e mulheres que, na diversidade de suas realidades, se percebem como companheiros de uma mesma jornada. Educação é comunhão e como tal, “(...) característica fundamental da ação cultural para a libertação” (81).

A partir de então é possível entender eficiência não mais na lógica do neoliberalismo como “(...) mero cumprimento, preciso e pontual, das ordens que vêm de cima”, mas como identificada com a capacidade que têm os seres humanos de pensar, de imaginar, de arriscar-se na atividade criadora e transformadora do mundo, das relações e das estruturas. Educar é transformar o ser humano, o indivíduo, o ser e, com ele o mundo. É uma ação profunda porque cultural, não apenas aparente, de modo individualizado e descontextualizado da realidade, do meio, da vida. Nesse sentido, “(...) ninguém conscientizará ninguém. O educador e o povo se conscientizam através do movimento dialético entre a reflexão crítica sobre a ação anterior e a subsequente ação no processo (...)” (109).

O pensamento freiriano nos remete a dimensão política da educação enquanto ação libertadora que não se limita a poupar os alunos dos quadros negros à medida que lhes oferece projetores. Educação libertadora é a que se propõe a contribuir para a libertação das classes dominadas, porque “(...) é na intersubjetividade, mediatizada pela objetividade, que minha existência ganha sentido” (115). Intersubjetividade que se edifica com a existência coletiva e expressa nas palavras: “O ‘eu existo’ não precede ao ‘nós existimos’, se constitui nele” (115). É nessa medida que não há práxis autêntica fora da unidade dialética da ação-reflexão, da prática-teoria, como diz Freire. Então, conclui-se que a consciência não se transforma a não ser na práxis e, daí também, que o conhecimento não se transfere, se cria através da ação sobre a realidade. Portanto, “(...) a transformação radical e profunda da educação, como sistema só se dá – e mesmo assim não de forma automática e mecânica – quando a sociedade é transformada radicalmente também” (146).

Educar está longe da acomodação e da atitude acomodativa pela ação pedagógica. Educar é desse modo, intrigar, desafiar, desacomodar, incomodar. Educar é agir de modo desafiador e perturbador diante da estrutura socioeconômica e cultural da sociedade de privilégios que vê o eu somente e, mesmo assim, não consegue atendê-lo em sua plenitude por assumir uma fantasia do real descomprometendo-se com a vida, a pessoa e a dignidade humana. Educar é comprometer-se com a vida.

Professora Vera Fátima Gobbi Cassol
Pós-Graduada em Literatura pela URI-FW

Jul/2013